Extraído e traduzido de um artigo de opinião em hebraico na edição de 19 de abril de 2022 da Ma’ariv pela Dra. Rivka Brooks, Diretora de Pediatria do Hospital Hadassah Monte Scopus
Quando viajei para o centro de refugiados na fronteira polonesa-ucraniana com a Missão Médica Humanitária da Organização Médica Hadassah (OMH) “para trabalhar com os refugiados”, não sabia exatamente qual seria a natureza do meu trabalho. Notícias heróicas foram publicadas aqui e ali, como a de uma criança cuja vida foi salva por membros de uma missão humanitária israelense. Mas eu não percebi a magnitude da contribuição que estávamos fornecendo aos refugiados. Achei que sabia ler nas entrelinhas. Como eu estava errada!
Primeiro, eu não entendi exatamente para onde estávamos indo. Geograficamente falando, eu pensei: Polônia, na fronteira com a Ucrânia. Em um sentido essencial, porém, não o entendi. Eu não conhecia o conceito de Centros de Trânsito de Refugiados: os refugiados chegam à fronteira, alguns deles depois de dias na estrada. Lá, eles são registrados e depois levados para um dos Centros de Trânsito, localizados a vários quilômetros da fronteira e contendo de centenas a milhares de refugiados. Desde estes Centros, são transportados em poucos dias para vários países europeus.
Na semana em que estive aqui, ainda não me acostumei com a visão dos ônibus chegando e fileiras de mulheres e crianças, cada uma segurando uma mala ou talvez um saco plástico embalado às pressas e esperando instruções. Essa visão é ainda mais assustadora aqui na Polônia.
Sinto que estamos vendo a história, mas em cores vivas.
Segundo, não entendi a essência do nosso trabalho aqui como delegação médica. “Então você realmente faz o trabalho de um posto de saúde?” meus colegas em Israel me perguntavam. É difícil para mim responder a esta pergunta. Pessoas que fugiram para salvar suas vidas vêm à nossa Clínica para pedir medicação porque seus remédios para pressão alta acabaram. Uma mãe vem buscar medicação anti-náusea para seu filho antes de embarcar em uma jornada de 18 horas para seu novo e desconhecido destino. Outra mulher vem buscar pílulas anti-ansiedade. Esse tipo de trabalho pode ser chamado de trabalho de um posto de saúde?
Cada dia, cada pessoa, cada pedido aqui é um drama. Não são necessárias histórias heróicas de diagnósticos extraordinários ou tratamentos que salvam vidas tão amadas pela mídia para entender o poder e a importância dessa delegação médica. Este é o drama da rotina, do heroísmo que acontece aqui no silêncio do dia-a-dia.
Justaposta à tragédia de milhares de mulheres e crianças sem-teto (os homens com menos de 60 anos tiveram que ficar na Ucrânia), vemos a incrível realidade das delegações voluntárias. Eles montaram uma cozinha e barracas de comida (batatas fritas, salsichas, hambúrgueres, pizza), tudo de graça, claro. Há até uma barraca com comida para os cães e gatos que os refugiados trouxeram. O envolvimento judaico é particularmente proeminente, com cinco delegações separadas representando a Agência Judaica, Ha-Shomer ha-Tza’ir, NATAN International Humanitarian Aid, Lev Echad Community Crisis Aid e a Organização Médica Hadassah Medical (OMH).
Há também jovens voluntários israelenses, homens e mulheres, que estavam em uma viagem ao exterior e vieram para cá por conta própria, simples assim.
Não se pode deixar de se perguntar: onde estava todo mundo há 80 anos? A mesma paisagem rural polonesa, o frio, a neve, multidões de pessoas retiradas à força de suas casas, segurando uma mala, rumo ao desconhecido. Onde estavam todas essas organizações voluntárias? A mídia social é responsável por essa mudança, essa mobilização em prol dos perseguidos em fuga pela insanidade de um louco?
Nós da delegação da OMH estamos operando uma clínica em colaboração com a NATAN e a Cruz Vermelha polonesa. A equipe é formada por dois médicos especialistas em medicina interna, dois pediatras (eu entre eles), duas enfermeiras, um coordenador administrativo e um médico palhaço. Estamos oficialmente administrando duas clínicas em dois grandes centros de refugiados e outras dois menores. Durante nossa estadia aqui, recebemos pedidos para ir a centros menores onde não há médicos ou clínicas.
As pessoas que visitam a clínica são reservadas. As crianças são calmas e educadas. Percebemos muito rapidamente que nosso trabalho aqui, além de resolver seu problema médico imediato, é capacitá-los a liberar a tensão e chorar, falar, contar suas histórias e conseguir uma cama para uma ou duas horas de sono. Claro, existem também os casos mais dramáticos: infecções causadas por estilhaços, gangrena nos dedos por congelamento, câncer, fibrose cística e portas intravenosas que precisam ser lavadas.
A delegação do Hadassah é a única que inclui um Palhaço Médico porque entendemos a necessidade de curar tanto o corpo quanto a mente. É difícil descrever em palavras como nosso Palhaço Médico, David Dush Barashi, está contribuindo poderosamente para o que está sendo feito aqui. Ele circula entre as pessoas distribuindo corações, amor e motivos para rir. Quando preciso que o Dush ajude uma criança, sei exatamente onde encontrá-la. Sigo o som do riso e sei que ele está bem ali no meio disso. A cena me lembra mais uma vez nossa humanidade e nossa natureza humana comuns, que nada tem a ver com raça, nacionalidade ou religião; isso não tem nada a ver com ser um refugiado, um voluntário ou um policial polonês. Quando um palhaço joga um balão, sorri diretamente nos olhos das pessoas e fala com elas numa linguagem sem sentido internacionalmente compreendida, todos riem e o mundo parece melhor, mesmo em um Centro de Refugiados.
Depois que estivemos aqui por um curto período de tempo, Dush e eu decidimos alavancar nossa missão e visitar os dormitórios para alcançar pessoas que não conhecem a clínica ou não têm energia para vir até nós. Dush anda com sua gaita e sua famosa mala, jorrando seu sem sentido, e eu, com meu colete Hadassah e um estetoscópio no pescoço. De vez em quando, Dush sussurra para mim: “Aquela criança ali parece pálida. O que você acha?” Com seu jeito charmoso, ele convence a mãe da criança a trazê-lo à clínica para um exame.
Nossa delegação da OMH não se limita a prestar primeiros atendimentos de emergência. Oferecemos assistência médica profissional e especializada, graças ao apoio de uma frota de especialistas israelenses, que estão disponíveis para consultas remotas 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Também oferecemos medicina pediátrica holística, que inclui cuidados preventivos. Em uma área de exames para crianças, substituímos a tigela de doces por uma cesta de frutas. Criamos um estande de higiene bucal com uma variedade de escovas de dente e diferentes tipos de creme dental, e demos escova e creme dental para cada criança que visitou a clínica.
Tenho mais orgulho do que nunca de ser uma profissional médica de Hadassah, de fazer parte de uma organização que entende a importância de uma delegação desse tipo e que cumpre sua missão: fornecer o melhor e mais profissional atendimento médico a qualquer ser humano que precisa, onde quer que esse ser humano esteja.
A vida é tão frágil. Oitenta anos atrás, estávamos aqui como um povo perseguido e hoje estamos aqui em solo polonês mais uma vez, desta vez como uma delegação médica israelense do Hadassah. Como somos afortunados.
O Jerusalem Post também apresentou a história da Dra. Brooks. Leia aqui.